Livro e documentário sobre o JB De modelo a repórter - 40 anos de jornalismo
Por: Belisa Ribeiro

“Jornal, minha filha? Jornal? Jornal amanhã está embrulhando o lixo, forrando gaiola de passarinho! Jornal???”
Não, nem ouvi isso, eu que, em menina, queria ser psiquiatra ou cantora de boate para mexer com a cabeça das pessoas, lidar com a emoção delas. Entrei para o Jornal do Brasil como modelo fotográfico, aos 17 anos, estudante do segundo grau, por um teste com o fotógrafo Evandro Teixeira. Indo lá, na velha sede da avenida Rio Branco, 110, para ver minhas fotos que seriam publicadas na seção de Moda do Caderno B, comecei a conhecer repórteres, conversar sobre matérias, entender um pouco seu dia a dia, gostar do barulho das máquinas de escrever, do cheiro de cigarro, do que eles falavam sobre tiroteios, sobre os personagens insólitos que apareciam no cotidiano da cidade, sobre a dureza da ditadura. Um dia, no restaurante que funcionava dentro do prédio do jornal, uma jornalista foi chamada às pressas para a cobertura de um deslizamento em uma favela. Pedi para ir junto. Nunca mais quis voltar daquele mundo dos que contam o que não era para ser sabido, dão eco a quem não tem voz. E fui lidar com a emoção das pessoas no atacado.
Começando pelo JB, como estagiária, na década de 1970, e para lá retornando já em sua decadência, nos anos 2010, participei do fechamento da sede da avenida Brasil, 500 , quando a redação retornou ao velho prédio da avenida Rio Branco. Também testemunhei tentativas de sobrevivência a partir de experiências de descentralização de impressão do jornal em Brasília. Trabalhei, neste longo intervalo de tempo que separou as duas passagens pelo jornal e, posteriormente, na maioria dos grandes veículos da imprensa brasileira. Quase quarenta anos no jornalismo.
Tive a ideia de escrever um livro sobre o JB em um de nossos almoços anuais na Fiorentina, organizados pelos colegas Vera Perfeito e Sérgio Fleury – quanta saudades desse repórter que tanto admirei e que nos deixou prematuramente ano passado! E me dediquei ao projeto durante mais de um ano. O livro está pronto e entregue a Editora Record! É um momento de grande felicidade para mim.
Entrevistei, gravando em vídeo — o que resultará em um documentário homônimo, também patrocinado pela Petrobras, a quem agradeço o apoio —, os colegas Affonso Romano de Sant’Anna, Alberto Dines, Carlos Lemos, Evandro Teixeira, Ique, Luiz Morier, Luiz Orlando Carneiro, Marina Colasanti, Malu Fernandes, Paulo Henrique Amorim, Jânio de Freitas, José Carlos Avellar, José Carlos de Assis, José Silveira, Norma Couri, Roberto Quintaes, Tarcísio Baltar, Walter Fontoura e Wilson Figueiredo. Outros colaboraram com relatos sobre suas trajetórias que, durante meu período de pesquisa, foram sendo veiculados aqui no site, onde também exibi trechos das entrevistas.
Estes depoimentos e relatos foram fundamentais. E este livro só foi possível por causa deles. Sinceros, emocionados e emocionantes, fizeram mais do que relatar a própria trajetória desses jornalistas no Jornal do Brasil. Traçaram um panorama do que foi o papel da imprensa na segunda metade do século XX e mostraram homens e mulheres excepcionais, muito além do âmbito profissional. Aqui vocês poderão perceber seu caráter, suas personalidades, suas posições, sua disposição, seus sonhos, sua determinação, as vitórias e derrotas de vidas dedicadas ao jornalismo. Em grande parte, ao Jornal do Brasil. A todos os que me deram o privilégio de compartilhar suas memórias, devo o meu agradecimento sincero. Foi um dos períodos mais gratificantes da minha vida o ano e meio que dediquei a este projeto.
Milhares, ou talvez dezenas de milhares (desde 1891...), colaboraram para que o JB tenha chegado a ser o que foi: o melhor jornal brasileiro de todos os tempos. Inigualável. Até hoje. Seria impossível contemplar todos. Escolhi edições históricas, temas, momentos importantes. Muitos mais merecia estar nas páginas do meu livro e ficaram de fora. Estão na minha memória também, como as minhas matérias do dia a dia. Porque fazíamos com garra qualquer coisa. Era para o Jornal do Brasil.
Se eu tivesse ouvido aquela frase típica do desmerecimento da nossa profissão, eu diria que não importa a duração tão efêmera do produto mais antigo e tradicional que produzimos. Um jornal não muda o mundo. Mas é como o bispo no jogo de xadrez. Anda na diagonal.
O Jornal do Brasil provou isso. Marcou para sempre a história do jornalismo no Brasil e no mundo. Foi referência gráfica e, através de coberturas que mexeram com a mente e o coração de seus leitores, influiu diretamente na vida política, econômica e social do país.
Este livro selecionou algumas de suas mais marcantes edições. Por trás destas edições, capazes, por exemplo, de evitar a fraude em uma eleição ou denunciar o envolvimento de militares do governo em um atentado que poderia ter matado milhares de jovens em um show onde cantavam Chico Buarque e Gonzaguinha, estavam decisões. E por trás de cada decisão, tomada necessariamente em pouco tempo, na hora do “fechamento”, sob a pressão de mandar “baixar as páginas” para a oficina onde seria impresso o jornal, estavam pessoas. Por isso este também é um livro que conta um pouco sobre quem eram as pessoas por trás das decisões que fizeram as páginas, as edições e o veículo ímpar que se tornou inesquecível. O Jornal do Brasil.
Realmente não importava se, no dia seguinte, fosse estar embrulhando o lixo ou forrando gaiola de passarinho. Era o nosso jornal. Era o Jornal do Brasil.
Espero, no início de 2016, estar compartilhando o livro e o documentário com todos vocês.



Comentários:


Lídia Oliveira
Eu como estudante de jornalismo e amante das boas histórias, já não vejo a hora desse livro sair... Abraços, Lídia.

 

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