Petróleo no mar, prisão em terra - Esdras Pereira

A teoria é que se havia petróleo em terra, tinha que ter petróleo no mar, e essa teoria era defendida pelas pessoas que estavam procurando petróleo em Campos. Mas o governo negava o tempo todo. Era a ditadura, a gente não tinha informação nenhuma. Eu acho que havia interesses estrangeiros envolvidos. O fato de ter petróleo aqui, com potencial de exploração comercial, significava que o país ia ter uma independência. Não sei se o governo tinha medo de acontecer alguma coisa ou se os militares estavam sendo impedidos de alguma forma de revelar isso naquela hora. Era questão de segurança, ninguém podia falar nada, era perigoso, não se podia mexer com eles. Era DOPS, SNI.

Mas quem dominava essa tecnologia da prospecção toda eram os gringos, então a gente tentava conversar com eles. E eles não tinham problema nenhum de censura, de falar nada. Até que apareceram uns lá em Atafona, fizeram um centro de comunicações na praia, um acampamento e o Aluysio conversou com eles e um cara falou que já havia sido descoberto o petróleo. Ele fez uma matéria, o Jornal do Brasil acreditou nele - ele era um repórter muito sério, muito conceituado - e publicou dizendo que havia petróleo na Bacia de Campos. Depois isso foi desmentido. Então, uma coisa que era verídica foi desmentida. A gente ficou com esse negócio encravado na garganta.

Algum tempo depois, o Aluysio ficou doente e estava em casa. Me mandaram para o aeroporto. Uma e meia da tarde, um calor desgraçado, vai para pista do aeroporto fotografar a má conservação. Fotografei o que eu tinha que fotografar, aeroporto de interior, não tinha quase ninguém. Mas, no saguão de espera, tinha um gringo com uma maleta na mão, essas maletas tipo 007, falando inglês. Eu não falo nada de inglês. Aquele cara me chamou a atenção. Pedi a um piloto da Votec (empresa de Táxi Aéreo, que era do Nascimento Brito: “Pô, meu irmão, você fala inglês, pergunta a esse gringo o que ele está fazendo aqui”. O piloto foi lá e me traduziu: “Eu vim aqui porque a gente está dimensionando como é que vai fazer, porque estamos preparando o primeiro carregamento comercial de petróleo”. Eu disse: “Você está de sacanagem.” E ele: “Não, rapaz, ele está falando isso”. “Mas vai carregar quando?” Aí o gringo: “Não, já está carregando, tem um navio lá”.

A gente estava atrás disso há anos! O gringo continuou falando e deu a parada toda. Aí eu: “O senhor tem a latitude e a longitude?” E ele: “Tenho”. Abriu a maleta, me deu, eu anotei e parti para a casa do Aluysio. Aluysio doente, lá na cama, eu disse: “Olha Aluysio, está havendo isso, isso, isso e isso, aquele negócio que

você garante que tem, é verdade, está aqui.” E ele. “Mas como é que nós vamos fazer?” Eu falei: “Está aqui a latitude e a longitude”.

Nós tínhamos um amigo em comum, chamava-se Geraldo Coutinho, que era um grande usineiro aqui da Usina Paraíso, que tinha um avião. Os usineiros na época, eram poderosos. Não era o avião mais adequado para fotografia porque a asa era embaixo, atrapalhava um pouco. Mas o piloto era um piloto que veio da guerra de Angola, um português, sabia as malandragens todas. Aí o cara: “Ok, empresto o avião para vocês”. Botou o piloto em contato, fizemos um plano de voo para a praia do Farol de São Thomé, onde estavam prospectando o petróleo em terra, a única praia campista. Claro que a gente não falou que ia em alto mar, que eles não iam permitir. Quando a gente chegou lá, o piloto fez rasante até o local, para não ser detectado pelo radar.

De longe a gente já via a silhueta do navio. Fizemos uns voos com a asa deitada de lado para eu poder fotografar. Eu pa pa pa, fotografei com a teleobjetiva. Quando eu chamei no zoom, entre uns caras que estavam no deck do navio, eu vi um camarada com um binóculo olhando para a gente e falando, e outro anotando na prancheta. Rapidamente eu falei: “Aluysio, vai dar confusão, o cara está anotando o prefixo do avião, eu estou vendo ele daqui...” Fizemos mais uns dois sobrevoos e partimos para terra, porque o avião não estava preparado para voo noturno e já estava querendo escurecer.

Quando se chega no aeroporto de Campos, o avião tem que fazer umas três voltas, antes de aterrissar e ter permissão. Ao fazer a primeira volta, eu falei: “Tem uma Kombi branca lá embaixo, bem na frente do saguão, e é da Polícia Federal. Esses caras estão esperando a gente”. Ele disse: “Rapaz, e agora? A gente não pode perder esse filme”. Eu acalmei: “Vamos ver o que a gente faz”.

O piloto, na hora de taxiar, fazer a curvinha para voltar para o aeroporto, parou meio de ladinho, e eu desci pela asa. Abri a cabinezinha, desci pela asa com a chave do carro do Aluysio na mão, a máquina na outra e caí no mato. Era capim colchão, que eles plantaram em volta do aeroporto para o caso de uma eventualidade, de acontecer um pouso de barriga, essas coisas. E fui abaixadinho para o aeroclube, que era perto do saguão. Peguei o carro, me mandei para Campos, que é perto, a uns 8 km.

Eu revelava o meu material e mandava paro Rio de ônibus. Só que, dessa vez, não ia dar tempo para mandar de ônibus. Revelei as fotos, tudo legal, liguei para o Jornal do Brasil e eles: “Manda que é primeira página”. Aí eu corri de volta para onde? Para o aeroporto. Cheguei e eles lá detidos... e eu fiz de conta que não era nada comigo. Fui para a fila do embarque, tinha um avião de carreira que ia sair em uma hora e da mesma forma que um usineiro me ajudou, o outro botou areia. Cheguei para um, descendente de ingleses, muito petulante - nunca imaginava que ele fosse fazer aquilo - e pedi: “Estou aqui com um material que eu preciso mandar para o Jornal do Brasil, eles estão lá no Santos Dumont esperando, eu vou dar esse envelope a você com umas fotografias, você podia entregar para mim?” E ele: “Não sou carteiro não, meu filho, procura outro”. Mas o homem na fila, atrás de mim, falou assim: “Não,

que é isso, eu não te conheço, mas se você quiser, eu levo”. Anotei o nome dele, as características das roupas dele. Não tinha jeito, ali era ou tudo ou nada.

A foto foi publicada, com destaque na primeira dobra da primeira página da edição de 14 de agosto de 1977 com a legenda: “Ligado à plataforma marítima Cedco-135-D por uma mangueira de mais de 200 metros de comprimento, o petroleiro Água Grande espera, a 56 milhas do litoral, completar sua capacidade de 45 mil barris para levantar ancoras –provavelmente na próxima sexta feira - transportando o primeiro carregamento de petróleo do campo de Enchova para as refinarias da Petrobras. Ontem ao meio dia funcionários da empresa que operam em outra plataforma na unidade Penrod-62 (P-6), anunciavam entusiasmados a conclusão, com êxito, de mais uma missão. “Encontramos muito óleo no poço que estávamos perfurando e nas próximas 48 horas a P-6 mudará de lugar”, disseram. O próximo poço da área a entrar em produção será o que está sendo perfurado pela plataforma Zephir – II.” O governo militar não podia mais desmentir o Aluysio.


Nota da redação: Esdras começou fotografando aos 15 anos e hoje, aos 57, se divide, entre cuidar do seu restaurante Madame Z, lá mesmo, em Campos, fazer coluna social e tocar um blog, no grupo Folha da Manhã.
Para visualizar a página, acesse o link: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=030015_09&PagFis=165794

Comentários:


Jacyra Sant Ana
Como é bom poder relembrar fatos e pessoas marcantes como o Aloysio!

 

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