Histórias do JB durante os anos de chumbo da ditadura
Por: Carlos Leonam

Início de 1969, poucos meses depois do AI-5. Eu fora ao Jornal do Brasil programar um anúncio da editora Nova Fronteira, da qual era diretor. Não podia, óbvio, deixar de dar uma passada na redação da Avenida Rio Branco, 118, pra botar o papo em dia. Fernando Gabeira, lá da Pesquisa (que chefiava), me viu chegando e veio falar. Sentou-se na quina de uma das mesas e foi dando o lead, sem qualquer nariz de cera:
– Leonam, estou me demitindo do JB. Vou cair na luta armada.
E mais não disse, nem eu perguntei. Conhecia Fernando desde os tempos do Diário de Minas e sabia que, com ele, era assim, pão pão, queijo queijo. O que veio a acontecer nos meses seguintes agora é história.
Depois, chegando de Roma, onde fora me encontrar com Chico Buarque e Toquinho, mais Glauber e Carvana, dei com um Galeão em polvorosa. Perguntei o que estava acontecendo e o cara da alfândega informou: “Sequestraram o embaixador americano”. Corri para comprar um JB e dei de cara com o retrato falado de um dos sequestradores. Era ele, o jornalista que realmente passara das palavras para a ação, Fernando Gabeira.
Essas coisas e muitas outras têm me vindo à cabeça, desde que, no restaurante La Fiorentina, no Leme, Copacabana, a bela trepidante Belisa Ribeiro reuniu seus companheiros de pauta para informar que escreverá a história do Jornal do Brasil, a partir do sítio que estava lançando e que será alimentado pelas histórias que os jotabenianos contarem (www.jbmemoria.com.br)

Não posso esquecer, também, do fuzileiro naval que, de metralhadora em punho, deu um baita susto em mim e no querido Wilson Figueiredo, ao adentrar a nossa saleta no quinto andar, o mesmo da Radio JB, perguntando onde ficava “o cristal”. O golpe militar estava a caminho, mas quem ainda dava as cartas era o almirante Aragão, comandante dos fuzileiros navais, fiel a Jango. Ele mandara tirar a emissora da condessa Pereira Carneiro do ar.
Daqueles anos turbulentos e perigosos tenho uma história que vi, ouvi e ninguém me contou. Estávamos em 1972, um sábado morno, em que os escravos do copidesque fechavam o jornal de domingo.
O plantão levara para Zé Silveira, o secretário, a notícia de que um marinheiro americano, da força-tarefa que estava no Rio, fizera a besteira de tentar dar um banho num traficante de maconha da Praça Mauá e fora morto a tiros. No dia seguinte, ao ler o JB, constatei que a notícia dizia que o marinheiro fora “executado por terroristas”.
Na redação, Silveira me contou que a notícia original – “traficante mata marinheiro” – fora substituída, “por ordem superior”, por aquela que saíra, “terroristas matam marinheiro americano”. Era assim, meninos, que a bola rolava. Quando rolava.
Claro que Belisa terá dezenas de histórias sobre aquele período heroico que todos nós vivemos na redação da Rio Branco, em que, em muitas tardes, o Bom Ar que ali se respirava era o do gás lacrimogêneo com que os meganhas dispersavam qualquer aglomeração com cara de passeata. As histórias engraçadas ficam para outra semana.
Nota da redação: Reprodução da revista Carta Capital, autorizada pelo autor

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